Para minha surpresa ele disse:
- Nunca, nós os “pretos” não temos nada o
que comemorar. Nossos ancestrais foram traídos e mortos quando os ditos “heróis
farroupilhas” viram que não poderiam cumprir o acordo e libertar os escravos
desarmaram e mataram todos. Eu não tenho nada a comemorar em 20 de setembro.
Confesso que fiquei com aquela conversa na cabeça e a
noite fui ao Grêmio dos Sargentos e fiquei observando as invernadas se
apresentarem. Para minha surpresa não vi nenhum negro.
Hoje recebi um e-mail e resolvi publicá-lo. Acho que a
Semana Farroupilha é comemorada mais pela comilança e beberagem. Pois a
história de heroísmo pode ser bem diferente daquela que é contada.
Traição de Porongos
Meses finais da
Guerra dos Farrapos. Madrugada de 14 de novembro de 1844. Tropas imperiais
comandadas pelo coronel Francisco Pedro de Abreu (1811-1891), o Moringue,
atacam soldados farroupilhas que estavam acampados nas imediações do Cerro de
Porongos, no atual município de Pinheiro Machado, no estado do Rio Grande do
Sul, resultando na morte e na prisão de muitos. Em sua maioria, eram lanceiros
negros, escravos que lutavam no exército farroupilha em troca da promessa de
alforria. Anos depois, a divulgação de um documento que ficaria conhecido como
Carta de Porongos, revelando um suposto acordo entre lideranças militares para
dizimar esses lanceiros, inicia uma controvérsia que gera polêmica até hoje.
A Guerra dos
Farrapos, ou Revolução Farroupilha (1835-1845), foi o maior dos conflitos
internos enfrentados pelo governo imperial. Durante dez anos, uma parcela da
elite pecuarista rio-grandense, motivada por fatores políticos e econômicos,
sustentou uma revolta contra o poder imperial, chegando a proclamar a República
Rio-Grandense em 1836.
Para arregimentar
soldados, os farroupilhas incorporaram escravos às suas fileiras, prometendo em
troca a liberdade após o fim do conflito. De olho na alforria, alguns negros
fugiram das propriedades onde eram mantidos escravos para aderir à luta. Outros
foram cedidos por senhores de terra que apoiavam a revolução. Já senhores
contrários ao movimento podiam ter seus escravos capturados à força, como
aconteceu nas charqueadas – propriedades rurais onde se produz o charque (carne
salgada) – de Pelotas.
Estima-se que em
alguns momentos os lanceiros negros, como ficaram conhecidos estes soldados,
tenham representado metade do exército rio-grandense. O africano José, de nação
angola, foi um desses homens que sonharam em conquistar a liberdade pegando em
armas. Em dezembro de 1837, José foi preso e interrogado pelas autoridades
imperiais em Porto Alegre, informando que quase toda a “infantaria dos brancos”
já havia desertado e que naquele momento os combatentes seriam quase
exclusivamente “pretos, uns com armas e outros com lanças”. Estas eram as
principais armas do conflito, já que as de fogo ficaram restritas a uma
minoria. Além disso, pelo próprio caráter de guerra móvel, muitas vezes os
lanceiros negros entravam nos batalhões sem maiores treinamentos.
No final da década
de 1850, o político, charqueador e ex-líder farroupilha Domingos José de
Almeida (1797-1859) denunciou publicamente o conteúdo da correspondência que
teria sido enviada pelo então barão de Caxias (1803-1880) a Francisco Pedro de
Abreu. A Carta de Porongos conteria evidências de um acordo prévio entre Caxias
(comandante do Exército imperial no conflito) e o líder farroupilha Davi
Canabarro (1796-1867). O objetivo seria favorecer a vitória imperial no combate
do Cerro de Porongos. Em determinado trecho, Caxias informaria a Francisco
Pedro o local, o dia e o horário para o ataque, garantindo-lhe que a infantaria
farroupilha estaria desarmada pelos seus líderes.
A partir de então,
o Combate de Porongos gerou uma acalorada controvérsia entre os historiadores e
estudiosos que se debruçaram sobre o tema da Guerra dos Farrapos. Com base na
Carta de Porongos, surgiram acusações de que o general Davi Canabarro –
comandante do destacamento de negros – teria traído a causa farroupilha ao
desarmar e facilitar a derrota dos lanceiros. Essa atitude teria como objetivo
facilitar a assinatura do tratado de paz que vinha sendo negociado, já que o
governo imperial era contra a ideia farroupilha de conceder a alforria aos
escravos que lutaram como soldados. Por outro lado, negar a liberdade e mandar
os lanceiros de volta às senzalas era algo não cogitado nem por alguns
farroupilhas, devido ao temor de que um grande contingente de escravos
militarizados, politizados e insatisfeitos com o não cumprimento da prometida
alforria insuflasse levantes – a quantidade de escravos na província do Rio
Grande do Sul em 1846, um ano após o término da Guerra dos Farrapos,
correspondia a 20,9% da população.
Relatos da época,
como o de Manuel Alves da Silva Caldeira, farroupilha presente em Porongos,
afirmam que Canabarro teria sido avisado da aproximação de tropas inimigas e,
mesmo assim, não teria tomado providência alguma. Pelo contrário, teria
propositalmente desarmado e separado os lanceiros do resto das tropas acampadas
perto do Cerro de Porongos. Dando crédito a estes argumentos, o episódio teria
sido uma traição aos soldados negros.